EVENTS | A Perna Esquerda de Tchaikovsky

Uma bailarina e um afinador de pianos em palco. Chega. A Perna Esquerda de Tchaikovsky é muito mais do que uma simples peça de teatro, é também um espectáculo de dança e em simultâneo um concerto musical. E assim antes de mais nada foi incrível, genial e brilhante e eu voltava a pagar para voltar a ver.

O espectáculo começa ainda antes das luzes se apagarem, Barbora, uma bailarina francesa que saiu do activo e que interpreta na integra a bailarina está a aquecer em palco e Mário Laginha que é um incrível pianista encontra-se a afinar já o piano já que esse é o seu papel. A Perna Esquerda de Tchaikovsky é como um espelho de toda a carreira de Barbora, são as memórias do corpo da mesma, e ela fala-nos a peça toda - sim, é um hora e meia de monólogo - do quanto gosta de pisar os palcos antes dos espectáculos, de tudo o que fez para fazer do seu corpo "que não foi feito para dançar" dançar efectivamente, aliás ela descreve como era incapaz de resistir à música e como se obrigou a aprender a dançar. Fala de como dialoga e de como se relaciona com cada parte do seu corpo, conta como cada dor tem uma data de estreia, uma música e um lugar sempre com o seu sotaque francês! Invoca todos os problemas de saúde que o ballet lhe trouxe e sinceramente o que mais gostei foi o facto de ela contar isto enquanto se mexe em palco somente com uma sapatilha de ponta calçada. Todo o espectáculo é feito assim, para representar a perna boa - a da ponta - e a perna estragada - graças a Tchaikovsky e a Lago dos Cisnes - e também para representar a dupla pessoa que é, dentro e fora do palco e as pessoas diferentes que o corpo dela e a sua alma são. Isto tudo com acompanhamento musical de Mário Laginha ao vivo que de forma fenomenal faz magia com as teclas e encontra sempre o tom certo enquanto a bailarina fala.

Barbora Hruskova para além disto personifica o espelho, fala com imensa paixão de como foi dançar pela primeira vez para a sua avó com um dedo partido, interage com o humilde afinador de pianos que se mantém mudo a peça inteira, integra no seu discurso o quão imperfeita era e ainda assim era escolhida. Fala-nos das saudades que tem de correr na rua e do que foi fazer Lago dos Cisnes e de cada passo que compõe esta obra prima.

Não é uma peça de ficar a chorar nem a chorar a rir, dá para rir um bocadinho mas é uma peça tão genuína e verdadeira, ainda por cima contada pela própria. É tocante e deixa-nos com aquela sensação debaixo das costelas, sabem? De que temos a mente muito mais aberta e sei lá é indescritível! Acho que nunca estive numa sala de teatro tão silenciosa e atenta às palavras da bailarina o que valeu uma ovação de pé sem fim. Saí de lá inspirada e com umas saudades do caraças dos meus tempos de sapatilhas ballet e dos exercícios na barra. Eu fui pela dança, o meu irmão pela música e ambos nos apaixonamos pelo contrário. Foi soberbo e genial. A Perna Esquerda de Tchaikovsky vale totalmente a pena. 

E despeço com a frase mais bonita que Barbora proferiu: "Dançar dói, mas dói mais quando estou parada."


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